sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Amor sem Esforço



Seria bacana se a gente pudesse dissolver a ilusão de que para sermos amados temos que ser outros que não nos habitam. Outros que não somos. Outros que, no fundo, não podemos ser, mas também não precisamos. Ter outras caras. Outros corpos. Outros gostos. Outros sonhos. Outros jeitos. É inútil qualquer esforço de tentar caber onde o nosso coração não está. Onde ele não pode nadar livremente, no tempo e no ritmo das próprias braçadas, aproveitando, feliz, o contato com a vida. Há um desperdício imenso de energia nessa história. É tenso demais viver para agradar, em troca de pertencimento, reconhecimento, alguma afeição. Maquiar as emoções, boicotar a própria essência, trocar a luz natural por luminárias artificiais, bolar planos fantásticos para chegar ao coração de quem quer que seja. Cansa, só de imaginar.

Além de inútil, é perigoso. Perigoso porque dói, mesmo quando faz aumentar nossos índices de popularidade. Nosso catálogo de endereços eletrônicos. Nossas referências no caderno de telefones. Nossa lista de contatos do celular. Perigoso porque requer de nós muito malabarismo emocional para não trairmos as personagens que criamos para atender as demandas alheias. É trabalhoso demais tentar ser o que não se é. Exaustivo. Drenagem pura. E, no fim das contas, o que buscam essas pessoas que queremos que nos amem? Procuram por nós ou pelas pessoas que tentamos parecer? Por nós ou pelas pessoas que querem que sejamos? Se não for por nós, não tem importância alguma. A leveza escoa, assustada, ralo afora. Se não for por nós, não é de verdade.

De vez em quando nós lembramos para, em geral, esquecer outra vez pouco depois: o amor não pede esforço. O amor acontece. Somos amados assim do nosso jeito. Assim do nosso tamanho. Assim do nosso lugar. Somos amados como somos, já preciosos. Isso é de uma liberdade que raramente sentimos ser capazes. As pessoas mais interessantes que conheço não fazem sacrifícios para ser amadas. São do jeito delas. Se são amadas, maravilha. Se não, vida que segue, mais a frente os encontros virão e é bem provável que tenham mais a ver com elas. A diferença que conta é que, à parte o amor que possam receber, elas são amadas por elas mesmas. Estão confortáveis por ser como dá pra ser a cada instante.

São pessoas que não querem mostrar nada além da espontaneidade que já conseguem. Não querem caber onde lhes falta espaço. Não têm a pretensão de ter montes de amigos: se tiverem um, capaz de amá-las, de verdade, já estão no lucro. Querem amar e ser amadas, sim, desde que cada pessoa tenha liberdade para ser. Nadam no ritmo delas, no tempo delas, nesse mar de águas tantas vezes turbulentas da vida. E consideram cada braçada uma vitória. Uma possibilidade de encontro. Se não acontecer, vez ou outra, continuam contando com o próprio pertencimento. O próprio reconhecimento. A própria afeição.


Texto de Ana Jácomo

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

CUIDE DE SUAS MANEIRAS – T’OJU IWA RE






Cuide de suas maneiras, meu amigo!
A honra pode abandonar nossa casa,
e a beleza às vezes acaba.
O rico de hoje pode ser o pobre de amanhã.
A honra é como o mar,
e também a onda da riqueza;
ambas podem escapar de nossa casa.
Mas as boas maneiras acompanham-nos
até ao túmulo.
O dinheiro não é nada,
As boas maneiras é que são a beleza da humanidade.
Se você tem dinheiro mas não se comporta bem,
quem irá confiar em você?
Ou, se você é uma mulher muito linda
mas não se comporta de maneira adequada,
quem desejará tê-la como esposa?
Ou ainda, se você é muito educado,
mas engana as pessoas,
quem confiará em você para negócios?

Cuide de suas maneiras, meu amigo,
Sem bons modos, a educação não tem valor.
Todos amam uma pessoa que sabe se comportar.


Esta poesia iorubá retrata bem os costumes e a importância que o povo dá à educação e à honra.
A importância dada ao bom caráter (ìwà pèlé)

Ìwà é o que caracteriza uma pessoa sob o ponto de vista ético. Para ser feliz uma pessoa deve ter ìwà pèlé, pois quem tem bom caráter não entra em choque com os seres humanos nem com os poderes sobrenaturais. Esse é o mais importante dos valores morais iorubá, e a essência da fé consiste em cultivá-lo.


A lenda de Ìwà é relatada na literatura de Ifá.

Ìwà era uma mulher de rara beleza com quem Òrúnmílà se casou. Entretanto, apesar de sua beleza, tinha maus costumes e falava demais, sendo ainda preguiçosa e irresponsável. Depois de algum tempo ele, não podendo suportar seu mau comportamento, mandou-a embora.

Quando Ìwà partiu, Òrúnmílà viu que não podia viver sem ela. Perdeu o respeito dos vizinhos, sua prática divinatória perdeu o valor, seus clientes se afastaram, ficou sem dinheiro, enfim perdeu tudo.

Vestiu-se de egúngún e saiu por aí, à procura de Ìwà. Foi a casa dos 16 chefes de Ifá à procura da esposa, cantando na porta de cada um: "Grande Sacerdote de Ifá de Ajeró, é Ìwà que estou procurando. Se você tem dinheiro mas não tem Ìwà, o dinheiro não é seu; se alguém tem filhos mas não tem Ìwà, os filhos são de outra pessoa; Ìwà, Ìwà é que nós procuramos...Todas as boas coisas da vida que um homem tem, se ele perder Ìwà, elas passam a pertencer a outra pessoa. Ìwà, é o que estamos à procura!"

Depois de grande procura achou Ìwà casada com Olójo. Este recusou-se a devolvê-la, e brigaram. Òrúnmilá, que havia oferecido um sacrifício antes de sair, venceu a luta e levou Ìwà de volta para sua casa.

Se analisarmos a lenda vemos que Ìwà é simbolizada por uma mulher, porque, para os iorubá, a mulher representa os dois extremos, o amor, o bem e a deslealdade, o mal. Ìwà pode ser bom ou mau. A lenda mostra ainda que o homem deve cuidar de seu caráter tão bem como cuida de sua esposa. A sociedade não pode sobreviver sem a mulher, da mesma forma que não se pode ser feliz sem ter bom caráter.

Os versos da lenda significam que o homem que tem todos os bens materiais, mas não tem caráter, provavelmente irá perder tudo para uma pessoa de caráter. Ìwà é o atributo de maior valor entre todos, no sistema iorubá.


TÓJÚ ÌWÀ RE
Tójú ìwà re, òré mi!
Olá a ma si lo n'ilé eni,
Ewà a sì ma sì l'ára enia,
Olówó òní 'ndi olòsì b'ó d'òla
Òkun l'óla, òkun nìgbì orò,
Gbogbo won l'ó 'nsí lo nílé eni;
Sùgbón ìwà ni 'mbá'ni dé sàréè,
Owo kò jé nkan fún 'ni,
Ìwà l'éwà l'omo enia.

Bí o l'ówó bí o kò ní 'wà 'nkó,
Tani jé f'inú tán o bá s'ohun rere?
Tàbí bí o sì se obìrin rògbòdò,
Bí o bá jìnà sí 'wa tí èdá 'nfé,
Taní jé fé a s'ílé bí aya?
Tàbí bi o jé oníjìbìtì enia,
Bí a Tilè mo ìwé àmòdájú,
Taní jé gbé 'sé aje fún o se?

Tójú ìwà re, 'òré mi,
Ìwà kò sí, èkó d'ègbé,
Gbogbo aiye ni 'nfé 'ni t'ó jé rere.




Fonte: Muito Axé